sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Culpa 1

Estava tudo tranqüilo, equilibrado e sereno como um espelho d’água imperturbado. Aí caiu a merda no vaso e a água se agitou e ficou marrom e fedida. Pensei em usar uma pedra pra terminar a metáfora, mais merda se encaixa melhor porque, no final das contas, toda dor que sentimos é provocada por uma grande cagada que cometemos, mesmos quando pomos a culpa no cú dos outros.
Gostaria de poder culpar o cú de alguém. 
Esse sentimento maldito tá me corroendo agora, e eu desconto no café e cigarro porque não tenho uísque em casa.
Encher a cara na parceria de um bom amigo seria um bálsamo. Não, melhor seria na companhia de um estranho, discutindo com profundidade sobre qualquer idiotice, e no final da esbórnia, o aconchego de um ombro pra chorar. Um ombro puro, boiando no ar, sem corpo, sem dedo acusador, sem conselhos, sem olhar piedoso, sem carinho, sem tapinha nas costas e “é assim mesmo”. Só o osso revestido de carne pra eu poder molhar com lágrimas e coriza.
Dizem que chorar alivia, mas chorar pra mim é complicado (enquanto sóbrio). Quando eu era pequeno meu pai dizia que homem não chora, e eu, com medo de ser taxado de “mulherzinha”, levei a lição a ferro e fogo. Me lembro de ter chorado apenas uma vez, quando o Brasil foi tetra-campeão, mas aí foi comoção geral, não conta. Minha mãe dizia que era só rezar e pedir desculpas a Deus que nos livrávamos da punição pelo pecado.
Na verdade não era bem isso que ela dizia. Tinha mais alguma coisa sobre arrependimento verdadeiro e fé. No entanto entre conversar sozinho e te escrever, já que as duas alternativas parecem covardia, preferi te escrever por que, a meu ver, é a opção menos insana.
Então, já que optei agora por escrever, concordemos que esse é o primeiro parágrafo da carta:
Peço-te desculpas. Me arrependo e sinto-me culpado...  


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Nossos Silêncios

O celular toca, por reflexo condicionado cerro os olhos mesmo usando os óculos, para identificar a chamada no visor. Atendo e imediatamente do outro lado uma voz seca me dispara:
 - Alô...
- Oi, e aí como vai? Tudo bem?
- Tudo...
(Pequeno intervalo de silêncio) Percebo o enorme desanimo que impregna sua voz.
Continuo:
- Por aqui tá tudo em paz também...
- É...?
- Ia te ligar, mais tava sem crédito, como estão todos por aí?
- Bem, tá todo mundo bem...
(Um intervalo um pouco maior)
Não sei bem o que falar, gostaria de dizer algo animador, ter uma boa noticia:
- Acho que vou aí na próxima semana, vai ser rápido mais preciso ir, já até negociei a folga no trabalho pra poder viajar com mais tranqüilidade.
-Vem até aqui?
-Claro! Vai ser um pouco corrido, mais vou sim.
-Que bom...
-E o que me conta, alguma novidade?
-Não. Nada de novo aqui, tudo do mesmo jeito... Parece que nada vai mudar nunca...
(Um suspiro pesaroso e o silêncio dramático)
Percebo que nada do que eu disser vai animá-la. Aquele era um dialogo inútil. Não conseguiremos dividir nossas angustias. Eu permanecerei fingindo que estou bem e ela insistindo em me mostrar o quanto estava sofrendo. Sem acusações, me imputava a posição de co-responsável de sua tragédia pessoal. Cansado, vacilo e é ela quem retoma a conversa:
-Tá bom, só liguei pra saber como é que tava. Durma bem, tchau. 
Como se levasse um soco, tento reagir:
- Espera! Tá acontecendo alguma coisa?
- Não tá tudo bem... (Com voz de choro)... Boa noite dorme com Deus, tchau.
(como se algum de nós dois realmente acreditasse em deus).  
Já percebendo o tom de pena e tristeza em minha voz, respondo:
- Tá, boa noite dorme bem...
E, sentindo aquela conhecida angustia no peito, quase sussurrando:
-... te amo.