domingo, 27 de novembro de 2011

Natureza Morta

Um mundo novo se ergueu ao seu redor,
Montanhas de concreto elevaram-se ao céu,
Grama negra de piche espalhou-se pelo vale
E árvores cinza e sem galhos imitavam o sol à noite.
Logo vieram as tempestades de detritos
O ar passou a transportar o perfume mal cheiroso,
E a flor, tão pequena e delicada,
Tão rosada e perfumada,
Cansada de ser mal tratada e sufocada,
Decidiu se vingar...

Um novo mundo se ergueu ao seu redor,
Tudo parecia mais triste e sem cor.
Não havia mais nada de belo a se admirar,
A última flor murchou até secar,
O homem então estava definitivamente condenado
Há sua natureza morta. 


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Insone

O problema não é o cansaço que a noite mal dormida traz, nem as olheiras e a sensação de ressaca, o problema são os fantasmas que me visitam durante a insônia. Toda aquela agitação frenética das decisões que serão tomadas “no amanhã” e as atitudes planejadas como estratégias de ação marcando os passos como uma dança da rotina diária. Logo a lógica me atinge e a consciência de que já está tarde e que o corpo precisa descansar. Entretanto o cérebro se regula por outro fuso horário, minha memória decide rodar o antivírus e começa a fuçar todo o arquivo armazenado nas prateleiras do meu inconsciente e tudo, então, vira um pandemônio. Promovo revoluções anarquistas,me suicido, vejo o meu filho se formar, economizo dinheiro e pago minhas contas, escrevo meu tratado sobre a vida, suicido alguém, entendo alguns mistérios por meio de outros que desconheço, me convenço de que sou ateu. E esse maldito cachorro que não para de latir, ah meu eterno mau humor!(que vontade de fumar!). A cama se converte na própria cruz, a coluna dói mais as pernas querem correr. Recalculo cada erro que cometi na vida centenas de vezes, a fim de entender porque carrego tanta culpa nas minhas costas, compreendo que sou culpado, aceito a decisão do júri, levanto convicto que quero me divorciar de mim.


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Em dias assim...

Uma vez me disseram que ‘a única obrigação do homem é ser feliz’ e que ‘tudo daria certo’, entretanto em dias assim, a minha fé, sempre frágil, se evapora pelo asfalto do mundo e as cores tornam-se apenas sépia e grafite. Nesses dias não consigo articular as engrenagens do sorriso e não encontro esperança para me abastecer. Apesar de meu corpo se mover a sensação é de que permaneço sentado na poltrona no canto escuro da sala, com os olhos vidrados na tela da TV sem me ater a programação, vidrado apenas pra não dormir. Nesses dias, minha cabeça dói e mobiliza todos os pensamentos que gritam em meu crânio, tudo se aflige, deprime e me revela o caos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Perpendiculares

Tudo pode ser confundido tão ingenuamente,
Que os olhos do espectador podem ver apenas o que lhe convém
Selecionar peças de um quebra cabeça que não se encaixam
ou, crer que o temor é o principal termômetro da fé;
É como deixar de ver que o medo motiva a coragem,
Dois lados tão distintos da mesma face, como:
O espaço escuro e frio, e o sol que arde incandescente,
O receio de viver e o salto suicida tão libertador,
O meu medo de amar e a tua coragem de segurar a minha mão.


sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Caboclo d’água

Um raio riscou no alto,
Rasgando a placenta do céu,
Deixando cair cristais de água,
Que desabaram lavando o ar sujo,
Como se fosse um parabrisa
Cheio de poeira e insetos esmagados.
Iluminados por olhos de relâmpago,
Dois pés descalços correm pelo asfalto
Flutuando sob o vapor seco e rasteiro,
Seu peito encharcado de coragem
Recebe com alegria aquela dádiva
E apesar de a sua volta existir um deserto de presenças,
Ele não se sente mais só na chuva.



quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Incompatibilidade

Se só o amor me bastasse,
Se não fosse tão frágil,
A ponto de se quebrar...
Se estilhaçar...
Um pedaço de mim
Que eu quis te dar,
Fazer parte do teu corpo,da  tua alma, 
Ser um só,
Carne e alma em equilíbrio, enfim. 
União não existe em desigualdade,
Se as peças não tiverem o mesmo tamanho
Não vão se completar
E tudo que é tão belo
Irá se acabar...
Infinitos são os caminhos
Da paixão desastrosa,
Instável e incapaz de crescer,
Infinita é a grandeza de aprender
A conceder por amar...
Se só o amor me bastasse,
Se não fosse tão frágil,
A ponto de se quebrar...



terça-feira, 9 de agosto de 2011

Fulano

Era uma vez um sujeito chamado fulano que morava no fim do mundo, onde ele era João ninguém. Não tinha família, amigos, nem cão de estimação. Mas tinha uma menina bonita que passava pela estrada a caminho de casa, com o cabelo brilhando, olhos tristes, segurando a barra da saia que o vento insistia em levantar.
Fulano triste, vivia sua vida triste e solitária em sua cabana. Nesse rancho, que abrigava o mundo de Fulano, ele sonhava em ficar rico comprar uma roça com muita cabeça de gado, ser chamado de Dr. Fulano de Tal e se casar com a menina dos olhos tristes.
Um belo dia caiu um pé d’água muito forte, com trovão e relâmpago, e Deus por pena (ou por gozação) lançou um raio na cabana de Fulano, que pegou fogo, incendiou, clareou o céu ... Fulano morreu queimado que nem carvão e seus sonhos tão bonitos e bem bolados viraram cinza, que o vento carregou com toda a sua fúria para a casa da Menina e invadiu seus olhos tristes que se encheram de lagrimas e a fez chorar por muitos dias.
Hoje a Menina dos olhos tristes não chora mais porque ela fez promessa e foi se embora pra longe, pra terra do distante. Se deu bem na vida, casou-se com Dr. Colarinho Branco e agora é madame, Madame Alta Sociedade.

(Pessoal sei que o texto é bastante ingênuo, é que quando o fiz eu tinha apenas 13 anos e era, como diria Raul, "Inocente, puro e besta")


terça-feira, 19 de julho de 2011

Panis Et Circenses

Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer
De puro aço luminoso punhal
Para matar meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar
Folhas de sonhos no jardim do solar
As folhas sabem procurar pelo sol
E as raízes procurar, procurar
Mas as pessoas da sala de jantar
Essas pessoas da sala de jantar
São as pessoas da sala de jantar
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer

(Os Mutantes - TV Cultura - 1969)


quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Homem Ensandecido

Seus braços tão frágeis quanto gravetos secos,
tão insistentes quanto carrapicho,
forçando contra o peito a sua única razão,
o que lhe restava de humanidade...a sua última filha.
O corpo de um anjo,
tão raquítica e desnutrida
que parecia se quebrar,
parecia se estilhaçar com o abraço de um pai ensandecido;
Parecia quebrar,
parecia estilhaçar a falsa paz que existia naquele mundo;
E quando Deus teve pena fez a vida se esvair daquela carcaça,
e ele se tornou insano,
insano de dor,
ensandecido.
O homem ensandecido desceu a rua a caminho da feira com os pés descalços,
rachados como o solo de sua terra,
pisando os paralelos sujos de esgoto, sangue e corrupção...
já não sentia mais tocar o chão;
O homem ensandecido olhava o mundo em linha reta
com seus olhos cinza esfumaçados, 
cheios de dor e completamente vazios;
Seu corpo, magro e arqueado, queimado de sol,
sobrevivente no pior dos desertos...O abandono de Deus;
Cruzou a rua chamando a atenção de putas, bêbados e coronéis,
atormentando a realidade hipócrita de todos que o olhavam,
de todos que o viam, insano,
insano de dor,
ensandecido;
O homem ensandecido armou sua alma com toda fúria que continha
e voltou a ser bicho,
zunindo seu facão enferrujado pelo ar e gritando de dor,
com sua voz ensandecida,
com sua agonia irracional (Fora dos padrões)
sua agonia sem maquiagem;
Um projetil disparado ao ar revestido de sentimentos inconsoláveis
atingiu animais de rapina (urubus e carcarás)
apreciadores do silêncio,
que responderam com metal,
traiçoeiros, vil metal, chumbo e pólvora,
transformando o homem ensandecido
em indigente...
Nordestino renitente...
Insano,
insano de dor.



sábado, 21 de maio de 2011

De que são feitos os anjos

Quantos anjos perdidos...
Ah, se os mortais dessem mais valor ao que importa,
Os anjos não estariam tão corrompidos,
Decaídos,
Se as crianças pudessem ter mais esperança...
De que são feitos os anjos,
Será de porções mágicas,
Ou de imaginação?
Quantos homens maus são necessários
Para fazer o mundo crer que anjos não existem?
Eles te provaram que sonhos são desejos imaturos,
Ou algo sobre o subconsciente,
Tudo tão frio e calculado...
Quantas vidas são necessárias
Para acalmar o anjo da guerra?
O sangue inocente tem o sabor de vingança,
E vingança é doce como carne de criança...
Que gosto tem a morte?
O perfume que ela usa entorpece e anestesia o corpo,
para que ele possa vomitar a alma.
Que rosto tem a morte?
Será ela um anjo ou um demônio?
E não serão os demônios anjos rebeldes? 


segunda-feira, 9 de maio de 2011

Tudo se Acaba

Eu tinha uma faca com a bainha,
Eu tinha uma poldra com uma poldrinha,
Eu tinha um Nêga com uma Nêguinha,
Ferrugem comeu a faca, rato roeu a bainha,
A poldra ficou doente, de fome morreu a poldrinha,
Peste matou a Nêga, sarampo matou a Nêguinha;

Me sobraram três cuias de farinha, três pratos de semente,
Se a chuva não cair pra dar uma safra descente
Vou morrer de fome e de sede, minha gente!
Tudo se acaba, nada dura para sempre,
Perdi a alegria, nunca mais serei contente,
Perdi minha fé, a coragem de seguir em frente.



(Mauro Sergio e Higor Soares)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Não sei

Tem dias em que não sei o que sou...
O chicote ou a pele açoitada,
A lâmina ou a face cortada,
O anzol ou a isca fisgada,
A calmaria ou a tempestade,
Arrogância ou simplicidade,
Profecia ou desastre;

E mesmo que soubesse,
Ou alguém me dissesse,
Não saberia pra onde vou
Ou o que sou...

A borboleta ou a flor,
A anestesia ou a dor,
A personagem ou o ator,
O mar ou o deserto,
Decidido ou incerto,
O aborto ou o feto;

O holocausto ou a ressurreição,
O político ou o povão,
Robin Hood ou ladrão,
O cientista ou a criatura,
A doença ou a cura,
Sanidade ou loucura;

Sempre me perco em mim,
E não acaba esse circulo sem fim...

A luz ou a escuridão,
A multidão ou solidão,
Ser social ou ermitão,
O sábio ou o tolo,
O chumbo ou o ouro,
A alma ou o corpo;

Livre arbítrio ou pecado,
Dom divino ou amaldiçoado,
O enganador ou o enganado,
Homem ou macaco,
A vitória ou o fiasco,
Aberração ou auto-retrato;

Pecado original ou imitação,
O inferno ou a redenção,
Católico ou pagão,
O guerrilheiro ou a guerra,
O salto ou a queda,
Espaço sideral ou a terra;

A paixão ou o amor,
O alivio ou a dor,
Democrático ou ditador,
A serpente ou o veneno,
A vespa ou o veneno,
A língua ou o veneno;

A elevação ou a mediocridade,
Submissão ou liberdade,
Meu sonho ou sua realidade,
O estado ou a anarquia,
Competência ou hierarquia,
O que você acreditava ou o que eu sentia;

Satanás ou Deus,
Lucas ou Mateus,
Nazistas ou Judeus,
O filho ou o pai,
O que fica ou o que vai,
Tudo isso ou nada mais.


segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vênus

Pernas pecaminosas
Passeiam por pensamentos pudicos
Provocando paixões,
Mãos maliciosas
Manuseiam mensagens mudas
Materializando miragens,
Olhos oblíquos
Obliteram obeliscos ornais
Organizando orgias,
Língua lânguida
Lambendo lábios lascivos, 
Louvada luxúria. 


quarta-feira, 30 de março de 2011

Farol

Jogue um pouco de luz
Sobre meu corpo cansado
Minha cabeça que transborda
E meus ombros arqueados;
Jogue luz sobre mim
Em meus olhos agudos,
Minha testa enrugada
E minhas mãos que teimam em tremer;
Espalhe luz sobre mim
Em meus joelhos curvados,
Meu peito estilhaçado
E minha alma em craquelê;
Um pouco de luz para mim,
Fragmentos de lucidez,
Vagalumes coloridos,
Raios do sol de um verão;
Derrame luz sobre mim
Em minha forma espectral,
Meu sorriso amarelo
E meu hálito frio de solidão.


terça-feira, 15 de março de 2011

Oração

Leão de Judá
Fruto da centelha divina,
Alcança meus pensamentos com teu olhar,
E purifica a nuvem de ira que paira em meus olhos.
Que meu anjo guardião
Com seu escudo de fé,
Me defenda dos golpes
Das lanças e flechas negras,
Que elas nem ralem sua superfície de prata.
Que meu anjo guardião
Abata as sombras e os seres
Com sua espada de luz,
Que eles nem percebam o que os cegou
Quando forem expulsos dos teus domínios.
Que meu anjo guardião
Não macule sua armadura
Que nos fortalece no combate,
Porque sou fruto da centelha divina
Do Leão de Judá.


sábado, 5 de março de 2011

Quando o Carnaval Chegou

Carnaval, carnaval, carnaval
Fico tão triste quando chega o carnaval
Eu me lembro duas noites de alegria
E recordo que perdi minha Maria

Maria, era minha alegria
Quando chegava o carnaval
Nós brincávamos noites e dias

Ela era minha Maria
Ela era minha alegria
Que morreu no terceiro dia de folia
Carnaval...

Luiz Melodia - MARAVILHAS CONTEMPORÂNEAS (1976) SOM LIVRE





segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Meu Bem

Meu Bem,
me conte apenas as suas mentiras
que eu acreditarei em todas.
Me iluda, me engane
que eu me entregarei com prazer ao teu jogo sujo.
Meu Bem,
me conte apenas as suas mentiras,
os seus versos de música de bordel,
suas frases perfeitas, roubadas de folhetins,
seu sorriso tão malandro e passageiro.
Meu Bem,
me conte apenas as suas mentiras,
me jure amor eterno
que eu te entregarei meu corpo
e te amarei sem nenhum pudor.
Meu Bem,
 me conte apenas as suas mentiras,
me fale o que preciso ouvir
pois só tua boca é que pode me dizer...
Me conte todas as suas mentiras,
pois a verdade me cansa
e me leva para um mundo frio e real.
Meu Bem,
se um dia eu acordar,
e você não estiver mais ao meu lado
vou sofrer por me deixar acreditar
e vou te culpar por meu sofrer,
mais...
Me conte apenas suas mentiras,
meu Bem
pois sou tão frágil
que prefiro a ilusão
do que encarar qualquer verdade,
qualquer coisa que não se adapte ao meu mundinho,
Ao meu sonho de viver sem me machucar.
Meu Bem,
me conte as suas mentiras,
os seus versos de música de bordel,
suas frases perfeitas, roubadas de folhetins,
seu sorriso tão malandro e passageiro.
Meu Bem,
Me jure amor eterno. 


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Carta Suicida

Ando sonhando em pular de prédios,
me espatifar na calçada;
Se o alivio me viesse como um antiácido sabor limão
para aplacar a azia da vida,
ou como uma injeção de Diazepam
para acalmar as pancadas de marreta em meu cérebro;
Ando fumando idéias de como poderia ser se não houvesse o ser,
e o que seria feito da anti-matéria tão apegada, ainda, a matéria;
Ando pensando sobre as doses progressivas de stress
e quantos comprimidos coloridos seriam necessários para combater o mal;
Ando pensando na morte como uma anestesia para arrancar um dente podre;
Ando falando com minha esquizofrenia,
e tenho certeza de que ela tá me deixando maluco.



domingo, 30 de janeiro de 2011

Lingus et Cunna

Provar o mundo com a boca...
Silenciosa sensação de viver,
gosto bom de pecado.

Tocar a flor com a mão...
Experimentar a delicada textura de veludo
com a ponta dos dedos.

Sentir o calor do sol no rosto...
Abraçar o sol,
aquecer a alma.

Me espalhar sobre teu corpo...
Adormecer sobre tua pele nua
como se repousasse em uma nuvem.